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História

INTRODUÇÃO

O que se pretende discutir é a importância, a função, a necessidade da matemática na nossa vida. Como surgiram os números? A matemática que conhecemos hoje, o cálculo, a álgebra, de algum lugar, em alguma época surgiram. Não se pode datar o exato aparecimento da matemática, mas sabe-se que suas noções básicas são a escrita pois, a linguagem de sinais é bem mais fácil de ser concretizada do que a construção de frases bem moduladas que expressem idéias. O que demandou no homem a necessidade de se expressar matematicamente? A necessidade prática ou a pura abstração? Alguns estudiosos defendem que a matemática teria surgido de necessidades práticas urgentes do homem, como a demarcação de áreas, o levantamento de seu rebanho, partindo para a valoração de objetos (dinheiro). Outros já definiam que a matemática teria surgido do lazer de uma classe de sacerdotes ou de rituais religiosos. O fato é que a matemática é presente em nosso dia a dia de tal forma que não podemos, não devemos e, certamente, não queremos nos distanciar dela. As funções mais rotineiras de nossa vida têm sido realizadas por computadores: desde uma conta, até o controle de nosso dinheiro no banco, nosso pagamento de salário, e muitas outras atividades são controladas por máquinas que são por sua vez, apoiadas na matemática. Existe uma tendência cada vez mais crescente da "matematização do mundo". Parece mesmo ser de senso comum que todo e qualquer problema cotidiano possa ser equacionado. Ou seja, será que tudo na nossa vida pode ser expresso como ax + by = c ou outra equação ou inequação qualquer? E, voltando ao assunto, de onde vêm os a, b, c, x e y ? Quem os inventou e porque?
Os documentos históricos encontrados pela arqueologia que fornecem um pouco de informação a respeito das origens da matemática começam com os egípcios. Costumava-se definir a matemática como a ciência do número e grandeza. Isso já não é válido pois certamente a matemática é muito mais do que números e grandezas. Hoje a matemática que conhecemos é intelectualmente sofisticada. Mas desde os primeiros tempos da raça humana, os conceitos de número, grandeza e forma ocupam a mente e formam a base do raciocínio matemático. Originalmente, a matemática preocupava-se com o mundo que nos é perceptível aos olhos, como parte da vida cotidiana do homem. Pode-se inclusive tentar relacionar a persistência da raça humana no mundo com o desenvolvimento matemático, se assumirmos válido o princípio da "sobrevivência do mais apto". No princípio, as relações de grandeza estavam relacionadas mais com contrastes do que com semelhanças - a diferença entre um animal e outro, os diferentes tamanhos de um peixe, a forma redonda da lua e a retilínea de um pinheiro. Acredita-se que o conjunto dessas informações imprecisas deve ter dado origem a pensamentos de analogias, e aí começa a nascer a matemática. A percepção das duas mãos, das duas orelhas, narinas, propriedade abstrata que chamamos número, foi um grande passo no caminho da matemática moderna. A probabilidade de que isso tenha surgido de um só indivíduo é pouca. É mais provável que tenha surgido de um processo gradual e que pode datar de 300.000 anos, tanto quanto o descobrimento do fogo. O desenvolvimento gradual do conceito de número pode ser rastreado em algumas línguas, o grego inclusive, que conservaram na sua gramática uma distinção entre um e dois e mais de dois. Os antepassados só contavam até dois. Qualquer quantidade maior que isso era dito como muitos. Resquícios desse comportamento é visível em alguns povos primitivos que ainda contam de dois em dois. Finalmente surgiu a necessidade de expressar os números através de sinais. Os dedos das mãos e dos pés forneciam uma alternativa para indicar um número até 20. Como complemento podia-se usar pedras. Começando a noção de relação de conjuntos: aquilo que se deseja contar, com aquilo que serve de unidade. O sistema decimal que hoje utilizamos é, segundo Arquimedes, apenas um incidente anatômico pois baseia-se no número de dedos das mãos e pés. Como pedras são efêmeras para se registrar números, o homem pré-histórico utilizava, às vezes, marcas ou riscos num bastão ou pedaço de osso. Peças arqueológicas são uma importante fonte de informação sobre o desenvolvimento das noções de números e indicam que essas idéias são mais antigas que os processos tecnológicos como o uso de metais ou de veículos com rodas. Existem indicadores na língua a respeito das idéias do homem sobre número, como no caso do número onze e doze. Eleven significava originalmente um a mais e twelve, dois a mais, ficando clara a adoção do sistema decimal. Mais tarde, gradativamente, foram surgindo palavras que exprimiam idéias numéricas. Sinais para números provavelmente precederam as palavras para números (é mais fácil fazer incisões num bastão do que estabelecer uma frase para identificar um número). A tendência da linguagem de se desenvolver do concreto para o abstrato pode ser percebida em muitas das medidas de comprimento em uso atualmente: a altura de um cavalo é medida em palmos e as palavras pé e ell (cotovelo) também derivaram de partes do corpo. Ainda não é possível fazer afirmações a respeito da idade da matemática, tanto aritmética quanto geométrica. Heródo e Aristóteles apresentaram suas teorias. O primeiro sugerindo que a geometria se originou no Egito, devido à necessidade pratica de se fazer medidas de terra a cada inundação causada pela cheia do Nilo. Já Aristóteles sugeriu que a geometria teria surgido de uma classe de sacerdotes do Egito, como lazer. O certo é que o homem neolítico já possuía noções que deram inicio à geometria, o que pode ser evidenciado pelas peças arqueológicas descobertas com desenhos geométricos, com relações de congruência e simetria. De fato o que parece evidente é que a matemática tenha surgido muito antes das primeiras civilizações e é desnecessário e sujeito a erros grotescos, tentarmos datar ou dar um motivo específico para o surgimento de cada fase. A geometria pode ter se desenvolvido da necessidade de demarcação de espaços, do gosto por formas precisas, de rituais primitivos, ou seja, vários seriam os caminhos para levar ao início dessa habilidade do homem.

EGITO

Antes do quarto milênio a.C. um forma primitiva de escrita estava em uso na Mesopotâmia. Num processo gradual evoluíram os primitivos registros pictográficos para uma ordem linear de símbolos mais simples. Surge a escrita cuneiforme, que dava significado pelos arranjos das marcas em cunha. Foi encontrada uma rocha A Pedra Rosetta, em 1799, egípcia, que trouxe muitas informações a respeito dos números. Encontrou-se uma numeração hieroglífica que baseava-se no sistema decimal. Determinados símbolos indicavam valores de 10, 100, 1.000, 10.000 e 100.000. Por repetição desses símbolos, escrevia-se o número desejado. As pirâmides egípcias exibiam tão alto grau de precisão na construção e orientação que lendas surgiram em torno delas. A sugestão de que a razão do perímetro da base da pirâmide Queops, para a altura foi conscientemente posta no valor 2p está em desacordo com o que se sabe da geometria dos egípcios. Aos egípcios também podemos atribuir a autoria do primeiro calendário. Tendo-se interessado pela observação dos astros, concluíram que a inundação anual do Nilo ocorria pouco depois que a estrela Siriús se levantava a leste, logo antes do sol. Assim, como essas aparições da Siriús ocorriam em intervalos de 365 dias, os egípcios estabeleceram um calendário solar feito de doze meses de trinta dias cada um e mais cinco dias de festa. Ocorre que esse ano oficial era curto demais por um quarto de dia e foram necessárias correções pois a cada quatro anos, as estações avançavam em um dia. Outra fonte de informação sobre a matemática antiga, além dos escritos hieroglíficos, são alguns papiros egípcios de mais de três milênios de idade. O maior deles, conhecido como Papiro de Rhind ou Papiro Ahmes usa uma escrita chamada hierática, diferente da hieroglífica. A base ainda é o sistema decimal, mas já são adotados sinais especiais para representar dígitos e múltiplos de potências de dez. O número quatro, por exemplo, não é mais representado com quatro barras verticais mas com uma barra horizontal. E assim por diante com outros números.
O homem da Idade da Pedra não tinha necessidade de usar frações pois podia tomar como unidade a menor porção possível. Mas as culturas posteriores, Idade do Bronze, começaram a sentir necessidade de trabalhar com frações. Existe uma notação especial para uma fração na escrita hieroglífica e hierática. Os egípcios trabalhavam bem com a fração 2/3, para a qual tinham um sinal hierático. Tanto que para achar um terço de um número, primeiro achavam 2/3 e tomavam a metade disso. Conheciam usavam o fato de que dois terços da fração unitária 1/p ser a soma de duas frações unitárias 1/2p e 1/6p, e sabiam que o dobro da fração 1/2p é a fração 1/p. É interessante verificar o modo como os egípcios encaravam frações de forma geral m/n. Não como uma "coisa" elementar, mas como parte de um processo incompleto. Por exemplo, a fração 3/5, para nós irredutível, era pensada como soma de três frações unitárias 1/3 + 1/5 + 1/15. O papiro de Rhind fornece uma tabela para a transformação de frações gerais em somas de frações unitárias. Começa fornecendo 2/n como soma de frações unitárias, para todos os valores ímpares de n de 5 a 101. E assim outros equivalentes.O último item da tabela decompõe 2/101 em 1/101 mais 1/202 mais 1/303 mais 1/606. Isso mostra uma habilidade aritmética que é difícil de encontrar mesmo atualmente, apesar de nossos recursos técnicos e tecnológicos. O tipo de combinação de frações escolhidas não é explicada. O porque de uma certa combinação e não outra, fica sem resposta. O mais curioso que é saber como se desenvolve na mente, no raciocínio do escriba, o método para combinar as frações unitárias, permanece um mistério. Ahmes começa sua obra garantindo que ela "forneceria um estudo completo e minucioso de todas as coisas... e o conhecimento de todos os segredos", por isso a parte principal do papiro que se segue às tabelas é composta de oitenta e quatro problemas sobre questões variadas. Os problemas geralmente usam cerveja, pão e coisas do cotidiano para se expressar. A operação aritmética fundamental no Egito era a adição. A multiplicação e divisão eram efetuadas no tempo de Ahmes por sucessivas duplações. Um exemplo: a multiplicação de 69 por 19 seria efetuada somando 69 com ele mesmo para obter 138, depois adicionando a si próprio para alcançar 276, novamente duplicando para obter 552 e mais uma vez, dando 1104, que é dezesseis vezes 69. Como 19 = 16 + 2 + 1, o resultado da multiplicação de 69 por 19 é 1104 + 138 + 69, ou seja, 1311. Na divisão, inverte-se o processo de "duplação", e o divisor é dobrado sucessivamente em vez do multiplicando. Identifica-se, também, em alguns problemas o uso da propriedade de comutatividade da multiplicação. No papiro Ahmes encontram-se ainda muitos problemas que mostram conhecimento de manipulações equivalentes a regra de três. A maioria dos problemas são do tipo "aritmético", mas já aparecem alguns do tipo "algébrico", em que pede-se a solução para uma incógnita numa equação linear da forma x + ax = b ou x + ax + bx = c, onde a, b e c são conhecidos e x é a incógnita. Não há comprovações de que os egípcios conheciam o Teorema de Pitágoras, mas existem problemas geométricos no papiro Ahmes, que mostram que tinham conhecimento de como calcular a área de um triângulo isósceles, tratando-o como dois triângulos retângulos, deslocando-se um deles de modo que os dois juntos formam um retângulo. Começa a ser utilizada uma teoria sobre congruência e já são utilizadas provas matemáticas. O problema com a geometria dos egípcios é que lhes faltava uma clara distinção entre o que era exato e o que era aproximação. No entanto, a regra dos egípcios para achar a área do círculo é considerada um dos maiores sucessos da época: Ahmes assume que a área de um campo circular com diâmetro de nove unidades é a mesma de um quadrado com lado de oito unidades. Significa que o valor encontrado para p (atualmente a área do círculo é dada por p r2) é 31/6. Mas mesmo assim não dá sinais de saber que a área do círculo e do quadrado não são exatamente iguais. Não se conhecem teoremas ou demonstrações formais da matemática egípcia, mas as comparações sobre perímetros, áreas de círculos e quadrados são as primeiras afirmações precisas da história a respeito de figuras curvilíneas. Apesar de tudo isso os egípcios não evoluíram muito em sua matemática. A matemática de Ahmes era a de seus antepassados. A vida estável, tranqüila do povo egípcio parece não ter motivado seus progressos na área do cálculo. A grande maioria dos problemas apresentados por Ahmes e em outros papiros encontrados daquele tempo, dizem mais respeito a aritmética e geometria práticas. Não houve desenvolvimento de teorias formais. Cada solução era encontrada especificamente para determinado problema. Contudo historiadores dizem que a matemática grega deve ter se baseado na dos egípcios. A Mesopotâmia oferece mais detalhes do desenvolvimento da Matemática.

MESOPOTÂMIA


As civilizações antigas da Mesopotâmia são comumente chamadas de babilônicas, apesar de que a cidade de Babilônia não foi o centro de cultura do vale Mesopotâmico. A região sofreu diversas invasões de outros povos, mas que ao invés de interferirem negativamente em sua cultura, ao contrário aprenderam e adotaram muitos conhecimentos dos mesopotâmicos. A escrita era a cuneiforme, que talvez tenha surgido até mesmo antes da hieroglífica dos egípcios. O fato é que as cerâmicas, tabuletas, com escrita cuneiforme fornecem muito mais informação dos que os papiros egípcios devido a sua conservação. Ao contrário da maioria das civilizações o sistema numérico mesopotâmico tinha como base o valor sessenta. Acredita-se que o sistema de base sessenta tenha sido usado por ser possível sua subdivisão em metades, quartos, quintos, sextos, décimos, etc...até dez divisões são possíveis. Até hoje, o sucesso desse sistema se reflete em nossas unidades de tempo e medida de ângulos. Aos babilônios se deve a invenção do sistema posicional. Com apenas seus símbolos para unidades e dezenas, podiam representar qualquer número, por maior que fosse, por repetição e mudança de posição. Este é o mesmo princípio de nosso sistema numeral. Nosso número 222 usa o mesmo algarismo três vezes, com significado diferente de cada vez: uma vez vale duas unidades, outra vale duas dezenas e a última duas centenas (duas vezes o quadrado da base dez). Quando escreviam , separando claramente grupos de dois símbolos, entendiam que o primeiro grupo a direita representava duas unidades, o segundo o dobro de suas base (60) e o terceiro, o dobro do quadrado de sua base. Portanto esse numeral indicava 2(60)2 + 2(60) + 2 = 7322 (em nossa notação). Os babilônios, a principio parecem não ter tido um modo de representar o vazio (zero). Não havia notação para zero, embora às vezes deixassem um espaço em branco para indicar zero. Isso confundia as formas escritas para alguns números como 22 e 202. Criou-se, mais tarde, um símbolo para zero, mas que só era usado em posições intermediárias. A superioridade matemática dos mesopotâmicos sobre os egípcios está em que aqueles estenderam a notação posicional às frações. O que significa que a notação decimal das frações que conhecemos já era por eles conhecida, sendo que foram capazes de calcular a raiz quadrada de dois com até três casas sexagesimais. Já manipulavam bem, equações usando palavras como incógnitas, num sentido abstrato. Conheciam bem o processo de fatoração. A resolução de equações quadráticas e cúbicas também os coloca em destaque com relação a matemática dos egípcios. Este tipo de resolução é um feito notável, admirável não tanto pelo alto nível de habilidade técnica quanto pela maturidade e flexibilidade dos conceitos algébricos envolvidos. E por que se espantar com seu alto nível e amadurecimento, se foi deles que aprendemos o que sabemos e que nos autoriza a elogiá-los? O que certamente nos dá essa autorização é o nosso simbolismo algébrico, sem o qual não podemos ter certeza de entender o raciocínio da matemática primitiva. Assim, para nós, é fácil ver que (ax)3 + (ax)2 = b é essencialmente o mesmo tipo de equação que y3 + y2 = b, mas reconhecer isso sem nossa notação é uma realização de significado muito maior para o desenvolvimento da matemática que até mesmo o princípio posicional na aritmética. Algum desenvolvimento geométrico pode ser constatado com tabuletas que indicavam relações entre os lados de um triângulo. Apesar de não se poder ter certeza, acredita-se que os Mesopotâmicos conheciam também as fórmulas gerais de progressão geométrica e a soma dos n primeiros quadrados perfeitos. No entanto, como nos papiros egípcios, as tabuletas Mesopotâmicas não descreviam os procedimentos mas apenas davam as questões e os resultados. O Teorema de Pitágoras não se encontra expresso em nenhuma tabuleta ou lista, mas certamente era conhecido e usado e não só em triângulos isósceles. Foi encontrado um problema em que uma escada ou prancha de comprimento 0;30 (1/2 na nossa notação) está apoiada a uma parede; a questão é de quanto a extremidade inferior se afastará da parede se a superior escorregar para baixo de uma distância de 0;6 unidades? A resposta é encontrada corretamente usando o teorema de Pitágoras. Toda a matemática desenvolvida por babilonios e egípcios dá a entender que se originava de questões concretas, imediatas. Mas, mesmo assim, há alguns indícios de abstração e de matemática por recreação.

GRÉCIA

Nos documentos históricos sobre a matemática grega, como já descreveu Wallis, não se encontram indicações da natureza do raciocínio utilizado para se alcançar os resultados. Tudo é expresso de forma limpa, direta, perfeita, o que não condiz, é claro, com a realidade na solução de problemas. Segundo Wallis, sobre Arquimedes: "é como se seu propósito fosse apagar os rastros de suas investigações, como se ele tivesse negado à posteridade o segredo de seus métodos de inquirir enquanto desejava extorquir deles anuência para os seus resultados". Considera-se que a matemática grega começou com Tales (c. 585 a.C.) e com Pitágoras (c.550 a.C.). As informações sobre os matemáticos daquele tempo até Platão (c. 347 a.C.) foram obtidas de testemunhos, de depoimentos que não forneciam os métodos e as provas das conquistas alcançadas. Tales é considerado o primeiro matemático, pois lhe são atribuídas descobertas matemáticas específicas. Sabe-se que Tales viajou ao Egito e Babilônia onde teria aprendido que um ângulo inscrito num semi-círculo é reto. No entanto, atribui-se a ele a demonstração desse teorema e de outros quatro da geometria. Por isso Tales foi considerado o originador da organização dedutiva da geometria. Credita-se aos gregos, com segurança, a introdução da estrutura lógica à geometria, mas não se sabe se devido à Tales ou a outros depois dele. Outro personagem de destaque no mundo grego é Pitágoras. Este não era só um matemático, mas um filósofo, envolvido especialmente com religião e até mesmo política. Contemporâneos de Pitágoras são Buda, Confúcio e Lao-Tse, caracterizando, portanto, esse tempo como de intensa atividade religiosa. Pitágoras, de volta do Egito e Babilônia (como Tales), fundou uma sociedade secreta que tinha base matemática e filosófica. Não se costuma falar em descobertas de Pitágoras, mas sim dos pitagóricos, pois a sociedade por ele fundada, além de secreta tinha por norma que o conhecimento era comunitário, não sendo atribuído a um autor apenas. Uma característica notável na escola pitagórica era a confiança no estudo da matemática e da filosofia como base moral para a conduta. As palavras filosofia ("amor à sabedoria") e matemática ("o que é aprendido"), supõe-se terem sido criadas pelo próprio Pitágoras. Os pitagóricos desempenharam um importante papel na história da matemática porque mudaram radicalmente a concepção egípcia e babilônia. A matemática, para os pitagóricos era incluída na definição de filosofia, os rituais a que eram submetidos tinham muito de matemática. Para o egípcios e babilonios a aritmética tinha muito mais a ver com situações práticas e concretas. Segundo Aristóteles, para os pitagóricos o número significava matéria. Assim, eles chamavam um ponto de um, uma reta de dois, uma superfície de três e um sólido de quatro. A soma de pontos gerava retas, a de retas, superfícies e a de superfícies, sólidos. De maneira que com seus um, dois, três e quatro, poderiam construir o universo! O número 10 era especial para os pitagóricos, pela crença conhecida como tetractys (conjunto de quatro). Pitágoras dizia que contar 1, 2, 3, até 4 era igual a 10, um triângulo perfeito "nosso juramento": "ele que tem confiado a tetractys à nossa alma, a fonte e a raiz da natureza eterna". Realmente, os pitagóricos revolucionaram o pensamento matemático, pela evidente característica filosófica que lhe atribuíram. No século III a.C. estabeleceu-se a estrutura axiomática da matemática, com Euclides, que unificou uma coleção completa de teoremas isolados num sistema simples e dedutivo. Baseando-se em postulados iniciais, definições e axiomas. Assim começa a real abstração matemática, discutindo-se a existência ou não do infinito, os números infinitesimais, os paradoxos de Zenon, e as relações do universo.

NOVO SÉCULO

"A matemática surgiu da auto-alienação do espírito humano. A alma não consegue se encontrar na matemática. O espírito humano reside nas instituições humanas" . Esta frase de Giovanni Battista Vico (1668-1744), vem de encontro com o pensamento Pitagórico. Discordando que a matemática seja natural do ser humano. Analisando agora a abordagem conhecida como matemática aplicada: o impacto causado pela matemática no mundo e sua utilização em relação ao mundo da natureza e das atividades humanas. Essa abordagem é tão difundida que hoje se fala em matematização do mundo. As ciências naturais, como a física, a astrofísica e a química, em seus aspectos teóricos estão totalmente matematizados. De fato tornou-se quase uma condição inicial, para o reconhecimento de uma teoria científica que ela possa ser expressa em linguagem matemática. É também um ato de fé, a suposição de que uma matemática apropriada possa ser desenvolvida sempre que a disponível for inadequada para descrever algum fenômeno observado. Desde a biologia até psicologia, sociologia, economia, tudo pode ser tratado em termos matemáticos. O comportamento de um rato num labirinto pode ser expresso numa matriz. Com a ajuda do computador essas tarefas tornam-se corriqueiras e até mesmo desafios para o homem. E tudo aquilo que pode ser executado num computador pressupõe um suporte matemático, como por exemplo, o fractal representado nesta página. Tentativas foram feitas para produzir uma definição matemática da vida, nos termos da Teoria da Complexidade. A matemática, como Descartes sonhou, tornou-se o agente unificador de um mundo racionalizado. Mas realmente tudo pode ser matematizado? Quais são os limites da matemática? As emoções, sentimentos, raiva, amor, solidão, etc. Isso não pode ser expresso por equações e incógnitas. Os que tentaram expressar a psicologia e sociologia através de estatísticas tentando quantificar a mente humana, falharam. A vida interior do indivíduo e da sociedade não está descrita em nenhuma fórmula, desde a literatura, a música, a política, as marés e correntes da história, as tolices que aparecem nos jornais, tudo isso fica fora do computador, fora de qualquer equação ou inequação. Isso é , sem dúvida, uma coisa boa.
A matemática nos é essencial mas não podemos perder de vista a intuição, o sentimento, a sociabilidade. Como em todas as ciências, continuam as pesquisas em matemática. Um dos pontos mais importantes de estudo e ensino, encontra-se no Instituto de Ciências Matemáticas de São Carlos - ICMSC - da Universidade de São Paulo.

Dari Campolina de Onofre Cristina Picchi Marcos José Semenzato BIBLIOGRAFIA BOYER, C.B. História da Matemática. São Paulo, Edgard Blücher, 1974. 488p. BARON, M.E. Curso de história da Matemática da Open University. Brasília:Editora da Universidade de Brasília, 1985. DAVIS, P.J.; HERSH,R. O Sonho de Descartes. University of New Mexico. Livraria Francisco Alves Editora S/A, 1986. BARKER, S.F. Filosofia da Matemática. University of Ohio. Zachar Edutores, 1969. Fonte: www.sc.usp.br Também disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da-matematica/historia-da-matematica-1.php#ixzz1yAd4YJBs

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL
RESUMO

Neste trabalho descrevo, sucintamente, a matemática européia como recebida e praticada no Brasil a partir do período colonial até a entrada na década de 50. Sigo uma periodização que responde às grandes mudanças na evolução política do Brasil. Destaco os principais atores nesse processo, com breve referência às suas obras. Dou menos prioridade aos detalhes matemáticos nessa visão panorâmica, procurando destacar o quadro sociopolítico e cultural no qual as opções de pesquisa e de educação se deram. Essa visão panorâmico para no início da década de 50, quando começa uma nova fase de institucionalização da ciência brasileira.

INTRODUÇÃO

A história da ciência no Brasil, em particular da matemática, reflete, como em todos os países que a partir dos grandes descobrimentos passaram a ser receptores do conhecimento produzido nos países centrais, a complexidade da era colonial. Embora se tenha tentado uma certa autonomia após a independência, isso só foi possível em poucos países e mesmo assim não antes do final do século XIX. Um dos problemas difíceis que encontramos refere-se à dinâmica cultural do encontro. Os modos de fazer e de saber originários dos grandes impérios europeus dos séculos XVI, XVII e XVIII foram transmitidos, absorvidos e transformados nas colônias e nos novos países independentes. Tornaram-se diferentes daquilo que se passava nas metrópoles coloniais. No curso do século XX houve uma abertura da academia a novas formas de saber e de fazer, sobretudo arte, literatura, religiões, culinária, música e mesmo medicina. Mas pouquíssimo com relação à ciência e absolutamente nada com relação à matemática. A dinâmica de transferência é pouco notada no caso da Matemática, que mostra uma hegemonia total da Matemática originada nas metrópoles coloniais. Os resultados da dinâmica tem sido descartados, pois não tem acesso ao ambiente acadêmico. E sua inserção no contexto mundial é muito difícil. Essa situação exige um novo enfoque historiográfico para se fazer história das idéias nos países periféricos. Portanto, para se fazer história da matemática no Brasil é necessário relaxar os atuais parâmetros historiográficos. Particularmente na cronologia e no conceito de fontes. Embora a situação não seja diferente nos demais países da América Latina, é importante distinguir as peculiaridades das populações nativas do Brasil e da ocupação do território, bem como do movimento de independência e das conseqüências no século XIX e grande parte do século XX. Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil no dia 22 de abril de 1500 e tomou posse da terra em nome de Dom Manuel I, Rei de Portugal. Em 1503, a serviço do Rei de Portugal, Amerigo Vespucci reconheceu todo o território atlântico da América do Sul, do Orinoco à Patagonia [1]. No que se refere a conhecimento (sistemas de explicações e modos de lidar com o ambiente), distingo sete grandes grupos de populações pré-colombianas das Américas: indígenas costeiros no hemisfério Norte, insulares do Caribe, indígenas das planícies do Norte, aztecas e meso-americanos, andinos, indígenas da região Sul e culturas amazônicas. A dizimação física e cultural foi quase total, exceto nas culturas azteca, meso-americanas e andinas. Quando se examina o período colonial, a dizimação das populações indígenas deu origem à grande imigração proveniente da África [forçada] e da Europa [voluntária]. A abolição da imigração forçada de africanos e a intensificação da imigração voluntária de europeus se dá na construção das novas nacionalidades, o que se inicia a partir do movimento de independência, deflagrado pelas treze colônias inglesas e logo acompanhados pelos quatro vice-reinados da Espanha.

A INDEPENDÊNCIA BRASILEIRA

No Brasil a independência deu-se tardiamente e de uma forma muito peculiar. Para escapar da invasão napoleônica, a família real portuguesa transladou-se para o Brasil em 1808. Vieram para uma colônia em condições incomparavelmente piores que as demais colônias das Américas. Não havia universidades, nenhuma produção industrial nem infra-estrutura cultural, nem mesmo imprensa. Nessas condições, o Brasil passou então a ser a metrópole de um grande império colonial, de onde a Rainha de Portugal exercia seu poder sobre as colônias na África e na Ásia. Após a morte da Rainha Dona Maria, o Príncipe Regente Dom João foi coroado Rei Dom João VI em 1818, no Rio de Janeiro. Tornou-se então o soberano do que se chamou Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Com o retorno da família real para Portugal em 1821, estava claro que a independência possibilitaria a manutenção do status quo para aqueles que resolveram permanecer no Brasil. O mais interessante para a aristocracia crioula seria manter o poder em mãos de uma monarquia vinculada às famílias imperiais da Europa. A independência foi proclamada em 1822 pelo príncipe herdeiro de Portugal, Dom Pedro de Alcântara, que havia permanecido no Brasil como príncipe regente. O português foi coroado como Dom Pedro I, Imperador do Brasil. Com a morte do rei Dom João VI houve uma tentativa de quebrar a linha dinástica da casa de Bragança e em 1831 Dom Pedro I do Brasil resolveu retornar a Portugal e assumir o trono como Dom Pedro IV. Assim preservou a coroa para a casa de Bragança e é considerado, na História de Portugal, o grande herói que salvou a dinastia real.

O SEGUNDO IMPÉRIO E A REPÚBLICA

Ao retornar para Portugal, Dom Pedro I abdicou o trono do Brasil em nome de seu filho, brasileiro, ainda menor, e que em 1842 viria a ser coroado Imperador do Brasil como Dom Pedro II. O Segundo Império foi um período de progresso econômico e intelectual, com uma forte presença das idéias positivistas de Augusto Comte. A República só foi proclamada em 1889, com a forte permanência do estilo político imperial. A chamada República Velha manteve privilégios e atitudes próprias da monarquia e o positivismo foi a ideologia dominante. Tentativas de renovação, como as sucessivas revoltas de tenentes a partir de 1922 e o movimento intelectual da Semana de Arte Moderna, em São Paulo, em 1922, ambos inspiradas pelos eventos do pós-guerra, particularmente pelas propostas soviética e da República de Weimar, eram indícios da fragilidade do regime estabelecido com a Proclamação da República. O primeiro movimento renovador de sucesso na política brasileira deu-se em 1930, com a revolução liderada por Getúlio Vargas. Vitoriosa, instalou um governo trabalhista, com evidentes tendências fascistas, e o Brasil só foi efetivamente democratizado na década de 50. Desde então a construção de uma sociedade democrática tem caminhado, com algumas interrupções, as mais prolongadas tendo sido o Estado Novo, do próprio Getúlio Vargas, que durou de 1937 a 1945, e a ditadura militar que se instalou em 1964 e que durou 25 anos. Essa história peculiar teve, obviamente, enormes conseqüências no desenvolvimento da matemática brasileira.

CONSIDERAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS

A História da Matemática, subentendido a matemática ocidental, segue a periodização mais comum: Antigüidade, Idade Média, Renascimento e Idade Moderna e Contemporânea. Após o Renascimento se inicia a criação de escolas e se identificam as grandes direções teóricas que tomou a matemática moderna [2]. A História da Matemática estuda o progresso da matemática, a criação das escolas e os fatores que determinaram as direções nas quais se deu o progresso. Os países periféricos não participaram do progresso da matemática antes do final do século XIX. Até então se deu apenas a recepção do conhecimento matemático e não sua elaboração. Portanto a periodização usual faz pouco sentido para estudarmos a história da matemática nos países periféricos. Além de ser necessária uma outra periodização, é importante uma revisão epistemológica, incluindo prioridades e avanços que não são considerados ao se fazer a história da matemática dos países centrais. A recuperação do fazer e do saber matemático da periferia conduz, inevitavelmente, a conflitos epistemológicos. A periodização está intimamente ligadas aos momentos políticos identificados com a conquista, o período colonial, a independência e o período em que as novas nações procuram consolidar seu território e entrar no cenário internacional. Isto se dá na transição do século XIX para o século XX. Embora esteja caindo em desuso, a periodização mais comum, que foi indicada no parágrafo anterior, ainda prevalece e a história da matemática acompanha essa periodização. Mas para os países conquistados a partir das grandes navegações, isto é, mais de 80% da população mundial, essa periodização é absolutamente inadequada. Proponho, para a história da matemática no Brasil, a seguinte cronologia, que, com ligeiras modificações, pode ser aplicada à história das ciências em toda América: Pré-Colombo/Cabral: os primeiros povoamentos, a partir da pré-história; Conquista e colônia (1500-1822); Império (1822-1889); Primeira República (1889-1916) e a entrada na modernidade (1916-1933); Tempos Modernos (1933-1957); Desenvolvimentos Contemporâneos (a partir de 1957). A escolha dos anos de 1933 e de 1957, que não coincidem com as grandes transições políticas na história brasileira, são marcos decisivos na História da Matemática no Brasil. Correspondem respectivamente à fundação da Universidade de São Paulo e à realização do Primeiro Colóquio Brasileiro de Matemática, em Poços de Caldas, MG. Embora eu tenha grande interesse na história anterior à chegada de Cabral, sobretudo por suas implicações para a etnomatemática, não abordarei esse período neste trabalho. Tampouco abordarei a matemática contemporânea. A minha análise vai até o início da década de 50, quando foi criado o Conselho Nacional de Pesquisas/CNPq [3]. Essa decisão prende-se às dificuldades específicas de fazer uma análise qualitativa da produção científica de pesquisadores vivos e dos centros de pesquisa matemática. Inevitavelmente, cai-se em comentários comparativos e de natureza pessoal. Uma alternativa seria uma análise quantitativa, por exemplo adotando a abordagem cientométrica. Mas essa abordagem, sem estar acompanhada de uma cuidadosa interpretação qualitativa, conduz a enormes equívocos, sobretudo nos países periféricos. Mesmo nos países centrais, a cientometria e as análises quantitativas de produtividade científica podem ser equivocados sem uma análise qualitativa da produção.

CONQUISTA E COLÔNIA

Em 21 de abril de 1500, navegantes portugueses a caminho da Índia, seguindo o roteiro de Vasco da Gama, desviaram-se de sua rota e descobriram o Brasil. Em três dias tomaram posse da terra (que chamaram Terra de Santa Cruz) em nome do Rei Dom Manuel I de Portugal, chamado o Venturoso, celebraram uma primeira missa na nova possessão, reconheceram a terra, e prosseguiram viagem para a Índia. A Carta de Pero Vaz de Caminha, documento básico das novas terras empossadas em nome do Rei de Portugal, não se refere a conhecimentos matemáticos entre os indígenas. Hoje, através dos vários estudos de etnomatemática, algo dos processos de contagem, de medições e de inferência dos nativos começa a ser conhecido [4].
Isso porém foi irrelevante no processo de posse da terra e nas primeiras atividades coloniais. Mesmo no caso mais progressista das primeiras fases coloniais, especificamente as reduções jesuíticas na região povoada pelos guaranis, não houve preocupação em resgatar atividades de natureza matemática. Houve considerável preocupação com a língua dos nativos. O Padre José de Anchieta (1534-1597) escreveu a primeira gramática e dicionário Tupi-Guarani. Enquanto há importantes informações sobre a fauna e a flora, a preocupação foi ensinar a poucos nativos e aos crioulos a língua portuguesa, o catecismo e a aritmética (ou arismética) vigentes em Portugal. Sabe-se que o tupi-guarani era a língua mais comum quando aqui chegou a família real. O ensino era dominado pelas ordens religiosas, principalmente pela Companhia de Jesus. Ainda está para ser feito um estudo do que constituía o currículo de matemática, entendido como objetivos, conteúdos e métodos, dos jesuítas. Sabemos de alguns dos jesuítas que vieram para o Brasil com uma boa formação matemática, alguns já com uma carreira de professores de matemática em Portugal, principalmente no Colégio de Santo Antão [5]. Dentre esses deve-se destacar o excelente matemático, Padre Valentin Stancel S.J., formado em Ormuz e Praga, e que permaneceu no Brasil de 1663 até sua morte em 1705. Stancel teve os resultados de suas observações de cometas mencionados no Principia de Isaac Newton. A considerável obra de Stancel começa agora a atrair atenção de historiadores do Brasil e da Europa [6]. Também merece destaque o Padre Voador, como era conhecido Bartolomeu de Gusmão (1685-1724), nascido em Santos. Foi completar seus estudos em Portugal e em 1709 foi nomeado lente de matemática da Universidade de Coimbra. Mas logo resignou à sua cátedra para se entregar inteiramente ao estudo de balões. Seus resultados, representados pela "Passarola", antecipam em quase 100 anos os estudos dos irmãos Montgolfier. Também se deve mencionar os estudos cartográficos encomendados por Dom João V aos chamados "padres matemáticos", Domenico Capassi e Diogo Soares, entre 1730 e 1737. Na colônia já consolidada, a fundação de cidades na costa e no interior não muito profundo do país, exigiu a construção de grandes igrejas e edifícios públicos, a urbanização e o traçado de estradas, a construção de pontes, e outras tantas atividades que revelam considerável grau de matematização. Igualmente se pode dizer do desenvolvimento comercial. Mas mais evidente é o esforço para a defesa. E em 1744 temos o primeiro livro de matemática escrito no Brasil, por José Fernandes Pinto Alpoim (1700-1765), o Exame de Artilheiro, seguido em 1748 por outra obra do mesmo autor, Exame de Bombeiro. Ambas foram impressas na Europa, respectivamente em Lisboa e Madrid, pois não havia imprensa no Brasil colonial. São livros elementares e metodologicamente inovadores, com o objetivo de preparar para os exames de admissão à carreira militar, como os próprios títulos sugerem. Alpoim era militar e formado na Universidade de Coimbra, como sucedeu com grande parte da intelectualidade brasileira na época colonial. Em 1755 foi responsável pela demarcação das fronteiras que iam da foz do Rio Ibicuí à barra do Igurei no Paraná [7]. Foi também o construtor de vários edifícios públicos no Rio de Janeiro e parece ter sido também responsável pela urbanização da cidade de Mariana, em Minas Gerais [8]. Sem dúvida, o mais destacado cientista brasileiro do período colonial foi José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), que se tornou Professor de mineralogia da Universidade de Coimbra e membro das mais importantes academias de ciências da Europa. Regressando ao Brasil, foi um dos artífices da independência.

IMPÉRIO

Como já foi lembrado, enquanto colônia o Brasil não tinha imprensa nem tampouco instituições de ensino superior. Aqueles que tinham recurso ou se destacavam nas escolas jesuíticas iam fazer seus estudos em Portugal e acabavam cursando a Universidade de Coimbra. Os alunos melhor dotados das famílias de pouca posse encontravam nas ordens religiosas oportunidades de estudo. Aqueles mais capazes normalmente eram aproveitados na metrópole e se encaminhavam para funções governamentais em Portugal ou no Brasil ou para a carreira acadêmica ou eclesiástica. Com a chegada da família real no Brasil, em 1808, foi necessário estabelecer na colônia uma infra-estrutura necessária para a permanência da família real e da aristocracia por um período que poderia se prolongar. Efetivamente, do Rio de Janeiro seriam dirigidos os negócios do reino e em 1816 foi estabelecido o Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Criaram-se, no padrão europeu, a Imprensa Régia, o Jardim Botânico, o Museu Real, a Biblioteca Real, o Observatório Astronômico, o Banco do Brasil e inúmeras outras instituições necessárias para o funcionamento de uma metrópole colonial. Uma conseqüência da chegada da família real e da elevação do Rio de Janeiro à condição de ser de fato a capital do Reino, foi o desmantelamento do movimento de independência que começava a se estruturar. Por outro lado, foi necessário um processo rápido de modernização do país. Criaram-se logo em 1808 as primeiras escolas superiores, as Escolas de Cirurgia do Rio de Janeiro e da Bahia. E logo em seguida a Academia Real Militar. A imprensa emergente criou um espaço até certo ponto inesperado, que foi indicador da presença de uma elite intelectualizada na colônia. Sabia-se de importantes atividades literárias entre os conspiradores da independência. Inclusive da criação de associações reunindo os intelectuais da colônia. O translado da família real para o Brasil esvaziou o movimento de independência, por razões óbvias. A família real teve sensibilidade política para dar espaço para os nacionalistas se manifestarem e a imprensa teve um papel importante nisso. Surgiu assim uma aristocracia crioula que, ao se defrontar com a volta da família real para Portugal e o retorno do Brasil à situação de colônia, tratou de proclamar a independência, porém conservando a monarquia. Nesse movimento de uma intelectualidade emergente, deve-se destacar o aparecimento de uma revista nova, O Patriota, na qual José Saturnino da Costa Pereira (1773-1852), que havia feito o curso de Matemática na Universidade de Coimbra, publicou um artigo sobre matemática avançada, tratando do difícil problema isoperimétrico do sólido de maior volume. Embora sem aportar resultados novos, o trabalho demonstra conhecimento de matemática avançada pelo seu autor e uma capacidade, até certo ponto surpreendente, da imprensa emergente lidar com textos matemáticos [9]. Logo após sua chegada ao Brasil, a corte tratou de criar uma Academia Real Militar, que passou a funcionar em 1811. Ali se criou um Curso de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais, com duração de quatro anos. Os livros adotados eram de Euler, Bézout, Monge, Lacroix e outros destacados textos franceses. Dentre seus professores estava José Saturnino da Costa Pereira, mencionado acima. A Academia Militar foi transformada em Escola Militar da Corte em 1839 e em 1842 foi instituído o grau de Doutor em Ciências Matemáticas. O primeiro doutorado foi concedido a um jovem maranhense, Joaquim Gomes de Souza (1829-1863), o "Souzinha", sobre quem prevalecem lendas e mitos e de quem se conhecem alguns fatos. Um estudo detalhado desse importante intelectual do Império ainda não foi feito. Sua dissertação, apresentada como tese de doutoramento na Escola Militar em 1848, trata de estabilidade de sistemas de equações diferenciais [10]. A partir dessa tese ele avançou consideravelmente em suas pesquisas e em viagem à Europa, em 1855 e 1856, apresentou comunicações em Londres [11] e em Paris [12], obteve um grau de Medicina na Sorbonne e publicou, pela prestigiosa editora F. A. Brockhaus, de Leipzig, uma antologia poética [13]. Voltou ao Brasil e assumiu cargos políticos, sendo inclusive nomeado Deputado representando o Maranhão no Congresso do Império. Suas intervenções, defendendo a autonomia dos três poderes, imediatamente criaram uma situação de confronto com os políticos mais tradicionais. Em 1863, o Souzinha retornou à Europa, onde morreu em Londres nesse mesmo ano. Sua obra matemática, talvez menos importante que sua presença política no Segundo Império, ficou disponível na forma de memórias póstumas, publicadas em 1882 com o financiamento do governo brasileiro [14]. Outra importante obra, uma teoria geral do conhecimento em vários volumes, inacabada quando de sua morte, jamais foi encontrada [15]. Após Joaquim Gomes de Souza, várias outras teses foram apresentadas à Escola Militar, depois Escola Central e finalmente Escola de Engenharia do Rio de Janeiro [16]. A tradição balonística, que se inaugurou com o Pe. Bartolomeu de Gusmão, vai se manifestar no final do século com as importantes experiências e inventos de Julio Cezar Ribeiro de Souza (1881) e de Alberto Santos Dumont (1873-1932). Não se pode deixar de mencionar o grande avanço científico e tecnológico que representou a construção do primeiro aparelho voador, por Alberto Santos Dumont [17]. Como no caso de Joaquim Gomes de Souza, esse fato foi a realização, isolada, de um indivíduo genial.

PRIMEIRA REPÚBLICA E A ENTRADA NA MODERNIDADE

Com a Proclamação da República, em 1889, inicia-se uma fase que, do ponto de vista matemático e científico em geral, pouca inovação trouxe ao país. O Império havia visto o florescimento do positivismo de Auguste Comte e a República efetivamente foi proclamada sob o paradigma comtiano. O Apostolado Positivista no Brasil era uma força dominante. Matematicamente, isto significou a consolidação das propostas positivistas já em vigor nas Escolas de Engenharia [18]. Destacam-se alguns estudos matemáticos e a produção de textos. São importantes as inúmeras traduções, como a Geometria de Legendre, a Álgebra de Clairaut, [19] e alguns escritos de brasileiros, como a Álgebra de Almeida Lisboa [20] e os cursos de Cálculo e Geometria Analítica de Trompowski [21]. São obras que ainda não foram devidamente analisadas [22]. Na transição do século XIX para o XX notam-se algumas tentativas de quebrar a rigidez do positivismo, algumas traumáticas, sobretudo na área da saúde pública. A mais conhecida é a campanha de vacinação contra a febre amarela, liderada, sob muitas controvérsias, pelo médico e sanitarista Oswaldo Cruz (1872-1917). O instituto por ele fundado em 1899, hoje Instituto Osvaldo Cruz, é uma das mais importantes instituições de pesquisa no Brasil em saúde pública. No início do século XX a Escola de Engenharia começou a receber impulsos de modernização. Jovens graduados, e merecem destaque Otto de Alencar Silva (1874-1912) e Manuel de Amoroso Costa (1885-1928) representam pontas de lança nessa escapada ao positivismo. Otto de Alencar preocupou-se com questões de Análise Matemática. Particularmente importante foi sua crítica à matemática de Auguste Comte, que ainda dominava o início do século XX no Brasil [23]. Seu discípulo Manuel de Amoroso Costa fez alguns trabalhos sobre astronomia, fundamentos e convergência de séries [24]. Em 1916 Amoroso Costa fundou, no Rio de Janeiro, a Sociedade Brasileira de Ciências, que em 1921 se transforma na Academia Brasileira de Ciências. Em 1922, Émile Borel visitou o Brasil como membro da delegação francesa que participou das comemorações do centenário da independência. Nessa oportunidade, pronunciou uma conferência na Academia Brasileira de Ciências. Seu principal interlocutor foi Amoroso Costa, que inclusive publicou uma nota científica sobre o trabalho de Borel [25]. Possivelmente por indicação do próprio Borel, ele visitou Paris em 1928, onde ministrou quatro conferencias na Sorbonne sobre "Les géométries non archimédiennes" [26]. A visita de Borel deu origem a visitas posteriores de Jacques Hadamard (1924), Albert Einstein (1925), Marie Curie (1926) e Paul Langevin (1928), entre outros. Dentre os representantes do novo pensar científico na Escola de Engenharia do Rio de Janeiro está Theodoro Augusto Ramos (1895-1935), que em 1918 se doutorou com uma tese "Sobre as Funções de Variáveis reais", trabalho moderno que se apoiava nas tendências então correntes na matemática européia. Dentre os colegas de Theodoro Ramos merece destaque Lélio Itapuambyra Gama (1892-1981), que teve importante papel nas várias fases da renovação da matemática brasileira. Foi professor da efêmera Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935 e fechada em 1938. Em 1937 associou-se ao Observatório Nacional, onde permaneceu até o fim de sua vida. Em 1952 foi fundador e Diretor do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), posição que ocupou até 1965. Gama se destacou como professor e pesquisador. Foi responsável pela introdução de cursos rigorosos de Análise Matemática, partindo da definição de números reais por cortes de Dedekind e de uma definição rigorosa de limites e continuidade [27]. Dentre seus trabalhos de pesquisa destaca-se a noção de espaços de estrutura esferoidal, que muito se aproxima dos espaços uniformes [28]. Mesmo em outros estados brasileiros surgem alguns matemáticos que viriam a ter uma atuação importante nas décadas de 20 e 30. Em Recife lembramos Luis de Barros Freire (1896-1963); em Belo Horizonte, Christóvam Colombo dos Santos (1890-1980). Em São Paulo, a transferência de Theodoro Augusto Ramos para a Escola Politécnica, em 1919, viria a ser decisiva, como veremos adiante.

A SUPERAÇÃO DA INFLUÊNCIA POSITIVISTA

A influência do positivismo na matemática ainda se fazia notar no início do século XX, sobretudo na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, mas também nas outras escolas superiores do país, dentre as quais as tradicionais Faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda, ambas fundadas em 1827, na Escola de Minas de Ouro Preto, fundada em 1875, e na Escola Politécnica de São Paulo, fundada em 1893. A chegada de uma significativa quantidade de imigrantes europeus ao Brasil no final do século XIX e início do século XX teve pouca influência nos estudos matemáticos, embora tenha tido grande influência nas faculdades de Medicina, de Direito e de Engenharia. Novas idéias preparam o terreno de contestação das idéias positivistas. A tese de Theodoro Ramos representou um passo em direção à mudança desse estado de coisas. Em 1919 ele se transferiu para São Paulo e assumiu uma cátedra na Escola Politécnica, fato que teria fundamental importância no desenvolvimento da matemática em São Paulo. Introduziu temas novos nos currículos. Particularmente importante foi o Cálculo Vetorial. Deve-se destacar que na década de 20 começam a surgir, em outros estados brasileiros, vários livros de Cálculo Vetorial, representando uma grande inovação com relação aos cursos tradicionais de inspiração positivista [29]. Deve-se destacar um fato de muita importância, que foi a visita de Albert Einstein à Argentina em 1925. Na passagem pelo Rio de Janeiro ele aceitou um convite da Academia Brasileira de Ciências e pronunciou uma conferência na mesma. A atitude dos cientistas positivistas, inclusive tentando ridicularizar Einstein pela imprensa, provocou uma reação da corrente modernizadora e isso foi decisivo como um verdadeiro golpe mortal na corrente positivista. Iniciava-se assim uma nova era na ciência brasileira. Particularmente os estudos matemáticos no Brasil entraram numa nova fase. As visitas de Émile Borel e Jacques Hadamard, já mencionadas acima, deram origem a um intenso relacionamento com a França. Deve-se lembrar que nos anos vinte já se impunha na França a influência de Maurice Fréchet, Jacques Hadamard e Élie Cartan, e na Italia a de Vito Volterra, que indicavam outras direções para a Matemática. Matemáticos então jovens, como André Weil e Henri Cartan, fundavam na França o que se chamaria o movimento Bourbaki. Na Itália Luigi Fantappiè desenvolvia a teoria dos funcionais analíticos e a Topologia e a Lógica floresciam na Polônia. Na Alemanha a presença maior de David Hilbert era dominante. Mesmo após escapar da influência positivista, a matemática no Brasil se ensinava seguindo os velhos textos de Cambérousse, Wentworth. As inovações no ensino da disciplina fundamental, que era o Cálculo Diferencial e Integral, eram modestas. Em 1919, Theodoro Ramos foi admitido como professor substituto da Escola Politécnica de São Paulo com uma tese sobre Questões sobre as curvas reversas e em 1926 assumiu a cátedra de Mecânica Racional na mesma instituição. Passou então a oferecer cursos modernos na Escola Politécnica. Particularmente importante foi o curso sobre Vetores, que foi ministrado por Theodoro Ramos como Professor Visitante em Paris e publicado pela prestigiosa Librairie Scientifique Albert Blanchard em 1930, com o título Leçons sur le Calcul Vectoriel. No "Avant-Propos" Theodoro Ramos diz: "L'utilité de l'usage des 'vecteurs' dans l'étude des questions les plus variées de Géométrie, de Mécanique, de Physique est désormais hors de discussion, et nombreuses sont les écoles techniques supérieures qui maintiennent régulièrement des cours sur le Calcul Vectoriel. A l'École Polytechnique de São Paulo (Brésil), en dehors de l'enseignement de la chaire de Théorie des Vecteurs, fondée en janvier de 1926, des cours libres ont été organisés pour l'instruction des ingénieurs qui voudrait pousuivrie des études de Physique théorique. Le petit ouvrage que nous présenton au public contient à peu près la matière d'un cours libre de Calcul Vectoriel professé pendant le second semestre de 1929, et qui a été orienté surtout vers les éléments de l'analyse vectorielle et vers les théories préparatoires à l'étude du Calcul Tensoriel. T. A. Ramos "

O FIM DA REPÚBLICA VELHA

Como foi dito no início deste trabalho, a República que se instalou em 1889 manteve muitas das características do Império, inclusivo aproveitando seus quadros dirigentes. A grande transformação política do Brasil deu-se com a revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que possibilitou a entrada do Brasil na modernidade política e cultural. A modernização da matemática brasileira viria como conseqüência dessas transformações políticas. Houveram várias resistências à essa nova era. A demora em se promulgar uma nova constituição deu argumentos para que as classes conservadoras de São Paulo deflagrassem em 1932 a chamada "Revolução Constitucionalista". O conflito, que durou 4 meses, teve enormes conseqüências no panorama político e social do Brasil. Embora derrotadas, a intelectualidade e a as forças econômicas que dominavam a política paulista lograram autorização para criar uma universidade estadual com autonomia do governo federal. Tiveram papel fundamental nessa conquista o jornalista Júlio de Mesquita Filho, então exilado na Europa, o político Armando de Sales Oliveira, então Interventor Federal no Estado de São Paulo, e Theodoro Augusto Ramos, professor da Escola Politécnica. Em 1933 foi criada, por Decreto Estadual, a Universidade de São Paulo, reunindo algumas escolas superiores já em atividade, especificamente a Faculdade de Direito, a Escola Politécnica e a Faculdade de Medicina, e criando uma nova escola, muito no espírito da École Normale Supérieure, denominada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e que seria a célula mater da Universidade de São Paulo. A Universidade de São Paulo foi organizada, administrativamente, nos moldes da ainda moderna Universidade de Berlim. Concordou-se que a nova Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras teria responsabilidade de desenvolver pesquisa pura e ao mesmo tempo formar quadros para o ensino secundário. Concordou-se que as cátedras da nova Faculdade não seriam distribuídas entre docentes de cátedras afins das escolas existentes, mas seriam providas por professores especialmente contratados para essas cátedras, preferivelmente recrutados em universidades européias. A esses professores seria solicitada colaboração junto às disciplinas básicas das três escolas tradicionais. Propunha-se uma efetiva modernização do panorama intelectual e profissional do Estado de São Paulo. E assim efetivamente se deu.

TEMPOS MODERNOS ATÉ O FINAL DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Deve-se repetir que o momento político após a revolução de 1930 e a ascenção de Getúlio Vargas criou dois pólos de poder: o econômico em São Paulo e o político no Rio de Janeiro. As duas cidades passaram a ser foco de desenvolvimento com características próprias. Alijado do poder político após a fracassada revolução de 1932, São Paulo concentrou sua energia no crescimento econômico. Isso se reflete particularmente no desenvolvimento da pesquisa científica. Justifica-se uma análise do se passou em São Paulo e no Rio de Janeiro, especificamente no desenvolvimento da matemática. Embora distantes cerca de 400 km, a comunicação entre os dois centros na década de 30 era difícil.

SÃO PAULO

Nos interessa particularmente a chamada Subseção de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Ficaram encarregados da contratação de professores para prover as cátedras da nova faculdade Júlio de Mesquita Filho e Theodoro Ramos. Por razões de fundo político, que já discuti num outro trabalho, Theodoro Ramos convidou um jovem discípulo de Enrico Fermi, Gleb Wataghin (1899-1986), para lecionar Física, e para Matemática convidou, na cátedra de Geometria Superior, Luigi Fantappiè (1901-1956), um dos mais promissores dos jovens matemáticos italianos, aluno do já consagrado Vito Volterra [30]. Luigi Fantappiè nasceu em Viterbo em 1901. Recebeu muita influência de Vito Volterra, um dos mais originais matemáticos do século. Seu discípulo favorito, Fantappiè dominava teorias modernas de Álgebra e Geometria e naturalmente de Análise. Ele foi um dos principais propulsores da teoria dos funcionais, que teve em Volterra um dos pioneiros. Um funcional é essencialmente uma função cujo campo de definição é um espaço de funções. Com uma conveniente topologia no espaço de funções, as noções de limite e continuidade são facilmente estendidas e a partir daí se faz toda uma teoria de análise. Fantappiè introduziu o conceito de funcional analítico, sempre acompanhando os conceitos da análise, nesse caso função analítica. Ele trouxe essas idéias para o Brasil e aqui teve inúmeros discípulos, dentre os quais se destacam Omar Catunda, Cândido Lima da Silva Dias e Domingos Pisanelli, que deram importantes contribuições à teoria dos funcionais analíticos. A criação de um grupo de pesquisa sobre funcionais analíticos por Fantappiè fica evidente ao examinarmos a bibliografia de Franco Pellegrino na edição revista do livro fundamental de Paul Lévy sobre Análise Funcional [31]. Fantappiè faleceu em 1956, trabalhando sobre teorias gerais de natureza filosófica, tentando explicar o fenômeno vida através de sistemas entrópicos, aqueles que obedecem a um princípio de causalidade, e diatrópicos, os que obedecem um princípio de finalidade. Logo ao chegar ao Brasil teve a missão de organizar os estudos matemáticos em São Paulo e sua primeira preocupação foi modernizar os cursos de Cálculo Diferencial e Integral, transformando-os efetivamente num curso de Análise Matemática. Na então recém criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo iniciou esses cursos. Em 1936, por sugestão de Fantappiè, foi contratado para a cátedra de Análise o jovem matemático italiano Giàcomo Albanese (1890-1956). Nascido na região de Palermo em 1890, Albanese havia sido assistente dos destacados Ulisses Dini e Francesco Severi e ao ser convidado para vir ao Brasil já se havia projetado internacionalmente pelos seus importantes trabalhos sobre variedades algébricas. Albanese foi responsável por tratar problemas da Geometria Algébrica clássica com o novo instrumental de Álgebra que estava sendo desenvolvido principalmente na Alemanha e na França. As variedades de Albanese se tornaram, a partir dos anos 60, um importante elemento no estudo da Geometria Algébrica Moderna. O contrato de Fantappiè implicava também dar aulas na Escola Politécnica, que havia sido incorporada à Universidade. Mas a situação na Escola Politécnica estava complicada. Pouco antes da chegada de Fantappiè havia se realizado um concurso para a Cátedra de Cálculo -– talvez precipitado pela iminente chegada de matemáticos que poderiam ser concorrentes à posição -– e concorreram a ela dois jovens engenheiros com forte inclinação matemática, José Octávio Monteiro de Camargo e Omar Catunda. Como era freqüente na época nos concursos para as escolas superiores, algumas questões legais foram levantadas e levaram o judiciário a suspender o concurso e dar provimento provisório a Camargo [32]. Com a criação da Faculdade de Filosofia, Catunda tornou-se assistente de Fantappiè. As aulas de Fantappiè dadas na Escola Politécnica atraíram alguns alunos do curso de Engenharia para o curso de Matemática. E assim formou-se a primeira turma de alunos do curso de Matemática na nova Faculdade de Filosofia. A declarada animosidade entre Camargo e Catunda isolou os dois departamentos. Essa situação somente foi superada, parcialmente, nos anos 40, quando Benedito Castrucci (1909-1995) tornou-se professor de Geometria Analítica, Projetiva e Descritiva de ambas as instituições. Com a saída dos italianos, a separação de Camargo e de seus assistentes e auxiliares das atividades na Faculdade de Filosofia intensificou-se. O curso oferecido por Camargo era rigoroso e o nível de exigência era alto, o que fez da Escola Politécnica um celeiro de excelentes matemáticos. Era comum utilizar na Escola Politécnica os livros de De La Vallée Poussin, Émile Goursat, Jacques Hadamard, entre outros. Do ponto de vista de rigor matemático esses tratados eram impecáveis. Porém não tão modernos quanto os oferecidos na Faculdade de Filosofia. No curso lecionado por Fantappiè se viam as transformações nos cursos básicos de matemática que estavam ocorrendo na Europa, principalmente no Cálculo Diferencial e Integral. Os analistas italianos se destacavam então pela modernização dos cursos de Cálculo, criando um estilo novo, rigoroso e extremamente elegante. Ao introduzir esses curso na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a partir de 1934, Fantappiè criou um novo estilo na Matemática brasileira. O curso instituído como um triênio de Análise Matemática na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, se tornou padrão no país e deu origem ao primeiro livro moderno de Análise Matemática escrito no Brasil, de autoria de Omar Catunda [33] No Prefácio de seu livro se lê: "A presente edição, que tencionamos completar, incluindo toda a matéria fundamental dada nos três primeiros anos da cadeira de Análise Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, foi cuidadosamente revista e atualizada. O autor preocupou-se, particularmente, em simplificar as demonstrações, sem sacrifício do rigor matemático, e ao mesmo tempo em manter a constante aproximação da Análise com a intuição geométrica; neste sentido, êste curso vem se afastando pouco a pouco do caráter excessivamente abstrato que o Professor Luigi Fantappiè imprimiu ao seu curso, quando aqui lecionou de 1934 a 1939. No entanto, em suas linhas gerais, o curso segue ainda a orientação daquele professor. Além disto, devemos ainda assinalar as constantes consultas que temos feito aos tratados clássicos de F. Severi, E. Goursat, J.Hadamard, Ch. de La Vallée Poussin, etc., e a outros mais recentes, como os de L. Goudeaux, G. Valiron, Ph. Franklin, etc." A referência ao "excessivamente abstrato" é curiosa, pois no conjunto das atividades da chamada Subseção de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras havia uma grande aproximação com a Subseção de Física, para a qual havia sido contratado na Itália o físico Gleb Wataghin. Ainda mais estranho é o fato que paralelamente ao seu curso na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que na verdade tinha sua Subseção de Matemática e Física e nas dependências da Escola Politécnica, na Rua Três Rios, Fantappiè oferecia seminários, freqüentado também por alunos de engenharia e engenheiros já formados. O interesse numa carreira nova, Matemática, era ainda diminuta e, como eu já disse acima, a primeira leva de matemáticos era formada por estudantes de Engenharia. A idéia de se fazer um curso que conduzia a uma profissão socialmente bem reconhecida, como era a Engenharia, juntamente com um outro curso oferecendo opções de uma profissão ainda vazia, isto é, Matemática, servia apenas para aprofundar os conhecimentos matemáticos dos engenheiros. Possibilitava também algo, profissionalmente ainda muito vago, que era a Licenciatura. Afinal, quem quisesse lecionar Matemática podia faze-lo sendo Engenheiro. A exclusividade do Licenciado para ser professor de ginásio e colegial só se efetivou em 1950, após uma prolongada greve envolvendo todas as faculdades de Filosofia, Ciências e Letras do país [34]. Mesmo assim, por alguns anos continuou a ser possível fazer o Curso de Matemática (ou Física) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras simultaneamente com o curso de Engenharia da Escola Politécnica. São inúmeros os Matemáticos brasileiros na faixa de sessenta anos de idade formados nos dois cursos (mais comum em São Paulo) ou apenas em Engenharia (mais comum no Rio). Alguns dos primeiros alunos que freqüentaram ambos os cursos foram Mario Schemberg (1914-1990), Abrão de Morais, Fernando Furquim de Almeida e Cândido Lima da Silva Dias, já mencionado anteriormente. Os dois últimos cedo desistiram da Escola Politécnica para se dedicarem integralmente à nova Faculdade. Particularmente importante foi a criação do Seminário Matemático e Físico da Universidade de São Paulo, inaugurado no dia 7 de maio de 1935, e associado a ele o periódico Jornal de Matemática Pura e Aplicada. O periódico publicava Memórias e Notas originais em português, italiano, francês, alemão e inglês, com sistema de referee. Curiosamente não figurava o espanhol. O Comité de Redação era constituído pelos Professores Giàcomo Albanese, Luigi Fantappiè e Gleb Wataghin. O primeiro -- e único -- número da revista foi o Volume 1o, fascículo 1o, Junho de 1936, e continha uma memoria de Beniamino Segre "Proprietà in grande delle linee piane convesse" e outra de Silvano Cinquini "Sopra le equazioni funzionali non lineari nel campo analítico". Além disso tinha notícias várias, inteiramente dedicadas ao Seminário Matemático e Físico, contendo resumos de todas as conferências feitas durante o ano de 1935. O jornal não continuou e não se teve mais notícias do Seminário [35]. Em setembro de 1939, com a invasão da Polônia pela Alemanha eclodiu a Segunda Guerra Mundial. Imediatamente a Europa toda entrou no conflito e a Itália aliou-se à Alemanha. Vários italianos residentes no Brasil, entre eles Luigi Fantappiè, retornaram. Em 1942 o Brasil declarou guerra à Itália e à Alemanha. Os matemáticos italianos que haviam ficado no Brasil trataram de sua repatriação. Na Universidade de São Paulo, Gleb Wataghin, que era judeu, resolveu permanecer no Brasil. O mesmo se deu com os professores contratados na Alemanha para as cátedras de Química.

RIO DE JANEIRO

A situação no Rio de Janeiro seguiu outro curso. Pouco depois da criação da Universidade de São Paulo, foi criada em 1934 a Universidade do Distrito Federal no Rio de Janeiro, então Capital da República, com uma Escola de Ciências. Os estudos de Matemática foram confiados ao competente matemático brasileiro Lélio I.Gama, já referido acima. Em conseqüência, também na Escola de Engenharia do Rio de Janeiro houve uma enorme mudança na qualidade das disciplinas matemáticas. Como foi mencionado acima, os cursos de Análise Matemática introduzidos por Lélio Gama eram modernos e rigorosos, embora numa linha distinta daquela abordada pelos italianos em São Paulo. A Universidade do Distrito Federal foi efêmera e com o advento do Estado Novo foi fechada em 1938. Em 1939 foi criada a Universidade do Brasil, com uma Faculdade Nacional de Filosofia. Lélio Gama afastou-se da Universidade e passou a se dedicar integralmente ao Observatório Nacional. Como havia acontecido em São Paulo, foram contratados para a Faculdade Nacional de Filosofia professores italianos para a área de matemática. Vieram os analistas Gabrielle Mammana e Alejandro Terracini [que permaneceu muito pouco tempo no Brasil], o geômetra Achille Bassi e o físico matemático Luigi Sobrero. Particularmente Bassi apresentava-se como um dos mais promissores jovens matemáticos italianos. Havendo passado uma temporada em Princeton e tendo sido aluno de Solomon Lefschetz, Bassi trazia à matemática italiana elementos modernos, tais como a Topologia Algébrica. Seu trabalho sobre números de Betti havia sido reconhecido internacionalmente. A situação de Achille Bassi, que por razões pessoais não pode retornar com seus colegas, foi particularmente triste. Passou a dar aulas particulares e em escolas secundárias e em várias faculdades de menor expressão [36]. Esse promissor matemático só veio retomar sua presença no cenário matemático brasileiro em meados na década de 50, desprestigiado e desgastado no cenário acadêmico do país, quando foi contratado pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo [37]. Um estudo da atuação matemática de Achille Bassi, particularmente no Brasil, merece ser feito. Muito importante no Rio de Janeiro foi a contratação, em 1934, do físico alemão Bernard Gross para o Instituto Nacional de Tecnologia, fundado em 1930. Gross viria a ter grande influência no desenvolvimento da Física no Rio de Janeiro e importantes contribuições à matemática. Particularmente interessante são as suas relações com a Argentina, tendo publicado trabalhos no Mathematicae Notae, inclusive em co-autoria com Beppo Levi [38]. Nota-se, nas revistas brasileiras, publicações de matemáticos argentinos, particularmente Beppo Levi e Luis Santaló. Seria importante um estudo sobre as relações entre matemáticos argentinos e brasileiros na década de 40.

O PÓS-GUERRA

A presença de Luigi Fantappiè em São Paulo foi extremamente importante. Mas seu retorno interrompeu o importante trabalho que estava realizando em São Paulo. A saída dos mestres italianos de São Paulo colocou as cátedras sob responsabilidade de seus assistentes, então na faixa etária dos 30 anos e com sua formação como pesquisadores ainda incompleta. Omar Catunda, Cândido Lima da Silva Dias e Fernando Furquim de Almeida assumiram a responsabilidade pelas cátedras de Análise Matemática, de Geometria Superior e de Crítica dos Princípios e Complementos de Matemática, respectivamente. Alguns matemáticos que se haviam encaminhado para a Física, como Mario Schemberg e Abrão de Morais, se responsabilizaram pela Mecânica Racional e Celeste e pela Física Matemática, respectivamente. Pouco depois Abrão de Morais tornou-se Diretor do Observatório Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo, onde permaneceu até sua morte. Outros jovens e promissores assistentes logo se viram com a responsabilidade das cátedras. Benedito Castrucci ficou encarregado de Geometria Analítica, Projetiva e Descritiva e Edson Farah de Análise Superior. Vários jovens se graduaram nesse período e o número de matemáticos em São Paulo era razoável. Logo após o fim da guerra eles fizeram um esforço para retomar a cooperação européia. Assim foram atraídos para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo alguns jovens matemáticos franceses. Da maior importância foi a contratação de André Weil, um dos fundadores do grupo Bourbaki e um dos mais destacados matemáticos do século. O próprio Weil é testemunha da importância de Fantappiè e de sua presença marcante em São Paulo. A personalidade cativante de Fantappiè e seu alto padrão matemático são destacados na recente autobiografia de André Weil [39]. Weil, que era anti-fascista, se tornou admirador de Fantappiè no final da década de 20, mesmo reconhecendo desde então sua militância fascista. Diz Weil que nos primeiros anos do regime fascista, Fantappiè se apresentava com distintivos do partido e não escondia sua posição, muito embora seu mestre Vito Volterra fôsse declaradamente anti-fascista. Não é portanto de se admirar que o govêrno italiano, interessadíssimo na presença de intelectuais fascistas na nova Universidade de São Paulo, houvesse promovido e apoiado a ida de Fantappiè para São Paulo em 1934. Curioso que André Weil iria para São Paulo em 1945 para ocupar a cátedra que havia sido fundada por Luigi Fantappiè. Com a chegada de Weil, os matemáticos paulistas retomaram suas pesquisas sob a influência desse notável matemático. Logo Weil foi capaz de influir na vinda de importantes matemáticos da Europa, dentre os quais Jean Dieudonné. Este lecionava seu curso de Álgebra baseando-se no manuscrito do livro elaborado que seria publicado na série Éléments de Mathématique, sob autoria de Nicholas Bourbaki, o nome de autor multicéfalo adotado pelo grupo Bourbaki para suas publicações. As notas de aula foram redigidas em português por Luiz Henrique Jacy Monteiro, tornando-se um livro básico para os cursos da Universidade São Paulo [40]. A influência de Dieudonné fez-se notar posteriormente na introdução da Matemática nas escolas primárias e secundárias, na década de 60 [41]. Outros matemáticos também foram contratados pela Universidade de São Paulo, para períodos mais curtos, dentre os quais Oscar Zariski, Jean Delsarte, Alexander Grothendieck [42]. Sob influência de André Weil foi fundada a Sociedade de Matemática de São Paulo em 1946 e iniciou-se a publicação do Boletim da Sociedade de Matemática de São Paulo. Essa revista tornou-se internacionalmente reconhecida [43]. Enquanto estavam em São Paulo, Weil e seus colegas influenciaram e orientaram os responsáveis pelas cátedras e também alguns jovens assistentes. Alguns dos docentes passaram uma temporada no exterior: Omar Catunda (Princeton, USA), Cândido Lima da Silva Dias (Harvard, USA), Luiz Henrique Jacy Monteiro (Harvard, USA), Chaim Samuel Hönig (Paris), Carlos Benjamin de Lyra (Paris). Eram estágios de pesquisa, mas os doutorados sempre se faziam na Universidade de São Paulo. Em 1947 Weil aceitou uma posição em Chicago. Em sua autobiografia Weil diz "Minha permanência no Brasil, com todos os seus muitos prazeres, não poderia continuar para sempre. A cadeira que eu ocupava teria que ser, mais cedo ou mais tarde, reivindicada por um matemático brasileiro." [44] De fato, em pouco tempo foram realizados concursos e as cinco cátedras de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo foram preenchidas por Omar Catunda, Benedito Castrucci, Cândido Lima da Silva Dias, Fernando Furquim de Almeida e Edison Farah. As áreas de pesquisa estimuladas por Weil e seus companheiros eram modernas. Omar Catunda dedicou-se a teoria dos funcionais analíticos, Cândido Lima da Silva Dias obteve interessantes resultados sobre a caracterização de espaços funcionais analíticos em termos da teoria dos espaços vetoriais topológicos [45], Luiz Henrique Jacy Monteiro dedicou-se à Álgebra, Carlos Benjamin de Lyra à Topologia Algébrica, Chaim Samuel Hönig à Análise Funcional, Benedito Castrucci estudou a Geometria sobre Corpos finitos, Fernando Furquim de Almeida dedicou-se à Teoria dos Números, especialmente a lei da reciprocidade quadrática, Edison Farah à Lógica e Fundamentos, em especial ao Axioma da Escolha, Elza Furtado Gomide à Teoria dos Números, em especial à Teoria dos Corpos de Classes, Domingos Pisanelli encaminhou-se para a Teoria dos Funcionais Analíticos. Na própria Universidade de São Paulo outras faculdades, além da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, havia alguma pesquisa. Na Escola Politécnica destacou-se João Augusto Breves Filho, com interessantes trabalhos sobre sistemas de equações diferenciais [46]. A Estatística teve um rápido desenvolvimento a partir da década de 30, sobretudo visando aplicações às áreas Biomédica e Agrícola. Na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz, em Piracicaba, destacou-se um grupo de Estatística Experimental, liderado por Frederico Pimentel Gomes, com considerável produção científica e uma colaboração regular com a North Carolina State University [47]. A situação no Rio de Janeiro foi diferente. Enquanto lá estavam os italianos, dois jovens assistentes de Mammana se destacaram: José Abdelhay (1917-1996) e Leopoldo Nachbin (1922-1993). O primeiro havia se Bacharelado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo e Leopoldo Nachbin se graduou em Engenharia na própria Universidade do Brasil. Desde muito jovem revelou talento matemático [48]. Leopoldo Nachbin viria se destacar, já no início dos anos 50, como o primeiro matemático brasileiro de porte internacional. Seus trabalhos sobre holomorfia em dimensão infinita foram pioneiros. Figura conhecida e respeitada em todo o mundo, detentor da importante cátedra "Eastman Professor of Mathematics" na Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, Nachbin viria a ter uma influência decisiva no desenvolvimento da Matemática brasileira e na sua projeção internacional. Mas, desde jovem, Nachbin foi foco de inúmeras disputas acadêmicas. Quando foi aberto o concurso para a cátedra de Análise Matemática na Faculdade Nacional de Filosofia, em 1950, inscreveram-se José Abdelhay e Leopoldo Nachbin. A diferença de titulação entre Abdelhay (que era bacharel) e Nachbin (que era engenheiro) fundamentou a impugnação da inscrição de Nachbin, que recorreu e com isso o concurso foi suspenso aguardando decisão judicial. Isso se tornou uma das mais prolongadas disputas acadêmicas que se tem notícia nas universidades brasileiras. A disputa, que se deu no final da década dos 40, se prolongou por quase 40 anos, ampliou-se e polarizou grupos de matemáticos de todo Brasil. Assim como a disputa judiciária Camargo/Catunda mencionada acima, também o conflito Abdelhay/Nachbin é um fascinante tema de pesquisa. Ambos, Nachbin e Abdelhay, haviam publicado alguns trabalhos, sob patrocínio de Mammana e de Sobrero. A contribuição matemática de Nachbin, que se distinguiu internacionalmente, foi bem estudada. Mas praticamente nada se fez sobre Abdelhay. Particularmente interessante é seu curso de Análise Matemática. Como se passou em São Paulo, os jovens matemáticos do Rio de Janeiro buscaram retomar o processo de construção de um grupo de pesquisa matemática. Em 1945 foi contratado para a Faculdade Nacional de Filosofia o matemático português Antonio Aniceto Monteiro (1907-1980). Tendo feito seu doutorado com Maurice Fréchet em 1935 sobre Espaços Abstratos, e com uma considerável produção de pesquisa publicada em revistas internacionais, Monteiro era um dos grandes propulsores da criação de uma escola matemática em Portugal. Havia sido fundador da Sociedade Portuguesa de Matemática e das revista Portugaliae Mathematica, de pesquisa, e Gazeta de Matemática, também de pesquisa mas dedicada a assuntos mais gerais, como história, filosofia e educação. Ao chegar ao Brasil, Antonio Monteiro imediatamente passou a orientar alguns jovens brasileiros, dentre eles Leopoldo Nachbin, Carlos Alberto Aragão de Carvalho (1924-1982), que foi posteriormente para Paris onde se doutorou em Topologia Algébrica, Maria Laura Mousinho, a primeira mulher a se doutorar em matemática no Brasil com uma tese sobre espaços projetivos [49]. Na Escola Nacional de Engenharia, destacam-se Marília Chaves Peixoto(1921-1961), que se dedicou a equações diferenciais, [50] e Maurício Matos Peixoto, estudando propriedades das soluções de equações diferenciais [51]. Posteriormente Peixoto se destacaria internacionalmente por seus importantes resultados sobre a estabilidade de sistemas diferenciais. Monteiro tratou logo de iniciar uma série de publicações, Notas de Matemática, para publicar teses e trabalhos mais extensos. A série foi depois dirigida por Leopoldo Nachbin e nos anos 60 passou a ser editada pela North-Holland Press. Por iniciativa de Antonio Monteiro fundou-se em 1945 uma importante revista de pesquisa matemática, sob responsabilidade do núcleo de matemáticos da Fundação Getúlio Vargas, a Summa Brasiliensis Mathematicae, que viria a alcançar projeção internacional. Juntamente com os Anais da Academia Brasileira de Ciências e o Boletim da Sociedade de Matemática de São Paulo, algumas vezes com o mesmo trabalho publicado nas duas revistas, os matemáticos brasileiros passaram a ter no país um veículo de circulação internacional para divulgar suas pesquisas, resenhadas no Zentralblatt für Mathematik und Ihre Angwanderte e no Mathematical Reviews. Antonio Monteiro era da vanguarda de oposição ao regime de Salazar em Portugal. Uma interferência direta do governo português junto ao Reitor Pedro Calmon fez com que o contrato de Antonio Monteiro na Faculdade Nacional de Filosofia não fosse renovado em 1947. Por iniciativa do físico José Leite Lopes, que se tornaria um dos mais distinguidos cientistas brasileiros, Monteiro foi contratado para o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que havia sido fundado no Rio de Janeiro. Para lá também foi contratado Leopoldo Nachbin. Assim instalou-se no CBPF o primeiro "o espaço protegido" [52] para pesquisas matemáticas mantido pelo governo federal. Em 1949 Antonio Monteiro transferiu-se para a Argentina, e em 1957 assumiu a tarefa de construir um importante centro matemática na Universidad Nacional del Sur, em Bahia Blanca [53]. André Weil em São Paulo e Antonio Monteiro no Rio de Janeiro foram os principais responsáveis pela formação de uma comunidade brasileira de matemáticos de muito alto nível. Ambos chegaram em 1945 e imediatamente se dedicaram a completar a formação dos jovens pesquisadores que haviam sido iniciados pelos italianos e a identificar e atrair novos talentos.

OUTROS CENTROS

Nos demais estados brasileiros surgem alguns matemáticos que viriam a ter uma atuação importante nas décadas de 20 e 30. Alguns foram estudar no Rio e em São Paulo. Em Recife lembramos Luis de Barros Freire (1896-1963), responsável pela criação de um importante Instituto de Pesquisas Matemáticas e a contratação dos matemáticos portugueses Manuel Zaluar Nunes, Alfredo Pereira Gomes e Ruy Luis Gomes. Para a Universidade Federal de Minas Gerais, fundada em 1949 em Belo Horizonte, transferiu-se da Escola de Minas de Ouro Preto o matemático Christóvam Colombo dos Santos (1890-1980). Da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fundada em 1934, foram estudar em São Paulo Antonio Rodrigues e Ary Nunes Tietbohl. Em 1948 foi fundado em São José dos Campos o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, cuja organização foi inspirada no Massachusetts Institute of Technology. Foram contratados os matemáticos Francis D. Murnagham, responsável por uma modernização dos cursos básicos com tratamento matricial. Também foi contratado o matemático chinês Kuo-Tsai Chen. Esses institutos mantinham relativamente pouca relação entre eles. A situação mudou a partir da criação do Conselho Nacional de Pesquisas/CNPq em 1951 e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada/IMPA, em 1952. Com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas em 1951 e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada em 1952, a institucionalização da pesquisa matemática no Brasil se consolidou. A realização bienal dos Colóquios Brasileiros de Matemática, a partir de 1957, veio levar a pesquisa matemática a todo o território nacional, com a formação de grupos promissores em praticamente todos os estados do Brasil.

PARA FINALIZAR

Este trabalho é, obviamente, incompleto. A visão panorâmica é um indicador da riqueza de temas para pesquisa. Todos os nomes mencionados contribuíram, de forma distinta, para o desenvolvimento da matemática brasileira. Muitos outros não foram mencionados. Com poucas exceções, esses matemáticos ainda não tiveram sua vida e obra pesquisadas. A relação das publicações de cada um deles é considerável e as fontes são variadas. Na vertente denominada história contemporânea ainda são possíveis depoimentos de muitos dos atores. Há uma riqueza de possibilidades de depoimentos de indivíduos que com eles conviveram. Particularmente interessante é o estudo das relações de matemáticos brasileiros com seus colegas de outros países, especialmente as relações com a Argentina. São extremamente promissoras as possibilidades de história oral. O interesse nessa pesquisa é ainda maior se fizermos uma análise das fontes, por exemplo editoras e revistas, que acolheram essas publicações. Muitas dessas fontes são de difícil acesso e algumas há muitas ainda não localizadas.

Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/historia-da-matematica/historia-da-matematica-2.php#ixzz1yAhnvDJQ

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